Abrindo caminhos: ancestralidade e o pensamento científico

Por Natalia Vieira e Mariana Inglez

 

adriana miniat

O documentário “Nunca me sonharam” conta a trajetória de estudantes do Ensino Médio das escolas públicas brasileiras, a partir de uma narrativa sensível e ao mesmo tempo esmagadora sobre a construção de novos horizontes através da educação.

É dentro desse contexto que a pesquisadora, mãe e professora Dra. Adriana Alves resgata em seu relato a memória deste documentário, compartilhando suas próprias experiências e os caminhos que a levaram até a formação em Geologia e ao lugar de uma das duas docentes negras no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo.

Ao contrário de grande parte dos estudantes negros, periféricos e pessoas oriundas dos extratos socioeconômicos mais baixos, a Professora Adriana foi sonhada ainda durante o Ensino Médio, por um também professor, Giba, que enxergou na personalidade focada, criativa, curiosa e engraçada, a potência que anos mais tarde a levou à carreira científica que se tornou mais uma de suas paixões.

É de paixões múltiplas e diversas que a Dra. Adriana também é movida. Desde seu engajamento por causas feministas e antirracistas às lutas travadas em solo universitário para garantir a formação de um ambiente novo, plural e inclusivo de fato, o combustível segue sendo a paixão: “A mesma paixão que eu tenho por um tema de pesquisa, eu tenho por um tema de engajamento social (...) Sou apaixonada por muita coisa ao mesmo tempo.”

O empenho da professora Adriana em reformar a Universidade de São Paulo a levou ao seu novo desafio como coordenadora de uma das diretorias da nova Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), como enfatiza ao longo da entrevista: "O mais importante pra mim é trazer a diversidade pra dentro das universidades, e tudo o que vem com ela. Não é o mesmo espaço ocupado por novas pessoas, não. O espaço também tem que se recriar, tem que se moldar”. Assim, dividida em cinco diretorias articuladas, a PRIP é responsável por compreender, discutir e propor caminhos para zelar ativamente pelas diversidades dentro da USP. Adriana é responsável pela diretoria de “Mulheres, relações étnico-raciais e diversidades”, mas além dessa ainda existem as diretorias de “Vida no campus”, “Saúde mental”, “Carreira” e “Direitos humanos, reparação e memória”.

Para além dos esforços empregados pela PRIP, a professora reconhece as transformações que a USP vem passando, ainda que a passos lentos e com tropeços. Ponto de destaque importante é o nascimento das tensões raciais que surgiram na USP a partir da inclusão das políticas afirmativas, como sinaliza: “a USP ainda tá se dando conta de muitas coisas (...) Negros entravam em números muito exíguos para tensionar o ambiente, então, depois da adoação das cotas nos vestibulares de 2017 e 2018, a gente vem com essa população pra dentro dos espaços uspianos e com essas pessoas chegam os tensionamentos que são naturais.”

Na perspectiva de Adriana, são justamente os tensionamentos que se transformam em matéria prima e solo fértil para as mudanças que a universidade precisa urgentemente assumir como compromisso em prol da inclusão de vivências diversificadas em um ambiente que foi, como aponta a professora, “pensado por e para pessoas brancas e da elite, e que não levava em conta as peculiaridades, as nuances de interações com pessoas diferentes (...). E isso tem trazido uma tensão que é muito boa por um lado, porque estimula um debate, estimula a USP a sair daquele lugar confortável que ela se encontrou por décadas.”

Apesar da caminhada árdua, Adriana reconhece as belezas da vida e da própria experiência na universidade. A leveza que carrega é uma herança da mãe, Ana Maria, que a ensinou a se encantar com o que há de belo no mundo mesmo nas adversidades, herança essa que divide com a sua irmã gêmea, Luciana - suas duas grandes referências pessoais. Com a irmã, Adriana compreendeu que os desestímulos e a crença de que não seriam capazes eram sempre externos, mas com o tempo entendeu que poderiam existir de forma bem sucedida em qualquer espaço que desejassem. Esse é, inclusive, o legado da professora para com os estudantes que ela orienta: “Esse meu sonhar é diferente daquele sonhar de incentivar, como meu professor fez (...) Olha, eu acho que você é capaz de tudo isso, o que as vezes pode ser até duro e exigente, e agora aprendo com eles que me trazem o que é factível pra eles, o que é o limite deles.”

Atualmente, a professora, que é guiada também pelos passos de Angela Davis e bell hooks, tem uma pesquisa ambiciosa e criativa, buscando compreender uma pergunta ainda em aberto sobre a relação entre vulcanismo e eventos de extinção em massa. Há em território brasileiro uma província vulcânica gigantesca que, por algum motivo, não ocasionou um evento de extinção em massa. Diante disso, a professora explica os avanços na pesquisa que desde o início teve apoio do Instituto Serrapilheira: “Agora a gente está finalmente afunilando pra uma resposta, pensando em abordagens alternativas às que já existem na literatura. É um projeto super ousado, louco, tento aprender uma coisa nova a cada pesquisa, a cada trabalho que eu faço. Já não me balizo pelos padrões de produtividade de outras pessoas e prefiro seguir aprendendo no processo investigativo.”

Entre as suas perspectivas de futuro, Adriana destaca a organização do seu tempo, dividido entre a maternidade, a pesquisa e os compromissos com a PRIP para a construção de uma universidade acolhedora e inclusiva: “(...) Gosto muito de pensar que estou tornando a experiência uspiana das pessoas melhor do que aquela que eu tive e quero ver o trabalho de agora render bons frutos.”

Assim como o professor Giba, lá no Ensino Médio de Adriana, nós também sonhamos um futuro com pessoas negras como protagonistas de suas histórias. Como ancestral de quem está aqui e de quem ainda está por vir, Adriana nos mostra um horizonte de possibilidades, e aproveitamos para agradecer pelos caminhos abertos.

 

Para saber mais

A Professora Adriana indica uma sugestão de auto-cuidado: tirar um momento de descanso e ter tempo de qualidade para se reorganizar.

Hoje, as autoras indicam o documentário: “Nunca me sonharam”, citado também pela Professora Adriana ao longo da entrevista e o livro “Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade”, de Bell Hooks, uma das autoras mencionada como uma das referências da entrevistada.

 

 

rodape5b