Pesquisadores utilizam rãs robôs para investigar funções de sinais acústicos e visuais nas respostas de defesa territorial e reprodução de anfíbios
Por Luanne Caires
Assim como nos humanos, a comunicação nos outros animais tem um papel fundamental na hora de conseguir recursos e parceiros sexuais. Sinais acústicos ou visuais dão dicas sobre tamanho, idade e potencial agressividade do emissor, indicando se ele é um oponente forte ou um bom parceiro para reprodução. Mas toda comunicação tem um custo energético e é preciso que o emissor passe sua mensagem de forma clara para evitar mal-entendidos. Em espécies com sinalização multimodal, ou seja, que utilizam simultaneamente sinais de diferentes tipos, como os visuais e os acústicos, entender qual é a função e a eficácia de cada tipo de sinalização é um desafio.
Pensando nisso, o biólogo Vinícius Caldart decidiu investigar em seu pós-doutorado qual é a função de sinais audiovisuais emitidos por rãs da espécie Crossodactylus schmidti. Essas rãs vivem em riachos, onde os sons da correnteza e de cigarras são abundantes. Para se sobrepor ao barulho, as rãs machos costumam ficar em locais bem visíveis, em cima de pedras, e fazer um movimento conhecido como toe flag, em que elas levantam e abaixam repetidamente os dedos das patas traseiras, mostrando o contraste de cor entre a parte dorsal e a ventral do corpo. Na maioria das vezes, esse movimento é acompanhado de vocalizações e parece estar envolvido na atração de fêmeas e afastamento de outros machos.
Macho de Crossodactylus schmidti. Imagem: Vinícius M. Caldart.
Sinalização agressiva entre machos
Na grande maioria das espécies de sapos e rãs apenas os machos vocalizam. E, como muitas espécies são territorialistas e defendem sua morada, uma das funções da vocalização é indicar para outros machos que aquela área e os recursos nela disponíveis já têm dono. O canto agressivo das rãs machos, associado ao movimento de toe flag, pode indicar tanto a condição corporal do indivíduo quanto o seu tamanho, que por sua vez pode estar relacionado com a idade e capacidade de combate do emissor. Um indivíduo receptor atento a tais sinais poderia utilizá-los para evitar confrontos físicos que gastariam ainda mais energia do que a disputa vocal. Por isso é plausível testar se essas formas de sinalização estão de fato relacionadas com a condição corporal - indicativo do estado de "saúde" ou nutrição do indivíduo - e com o tamanho do emissor - que indicaria idade e capacidade de combate.
Em seu trabalho, Vinícius contou com a colaboração de Maurício Beux, pós-doutorando na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e de Glauco Machado, professor na Universidade de São Paulo (USP), para construir e programar uma rã robô que simula sinais utilizados na interação entre machos de Crossodactylus schmidti em riachos de Mata Atlântica de Interior. Os riachos escolhidos para execução do experimento se localizam no Parque Estadual do Turvo, noroeste do Rio Grande do Sul (RS).
O robô, que foi colocado em cima de um molde de pedra, emitia estímulos visuais, acústicos e audiovisuais durante um período de quatro minutos, precedidos e seguidos por períodos de silêncio. Os pesquisadores gravaram a resposta de outros machos aos estímulos emitidos pelo robô e usaram um modelo estatístico para analisar qual tipo de sinal induzia uma resposta agressiva dos machos. Eles consideraram três aspectos de resposta: a frequência de notas agressivas, a frequência de toe flags e a frequência de sinais multimodais.
Vídeo de rã macho robô em ação. Gravação: Vinícius M. Caldart
A qualidade dos machos utilizados no experimento foi estimada tanto em termos de tamanho absoluto quanto em termos de condição corporal. Para estimar o tamanho absoluto, Vinícius e seus colaboradores utilizaram o comprimento entre a parte anterior da cabeça e a extremidade posterior do corpo do macho. Para estimar a condição, eles utilizaram uma estimativa do quanto da massa do animal pode ser explicada simplesmente pelo tamanho do corpo. Aquilo que não é explicado por essa relação serve como uma indicação do quanto da massa do animal se deve a outros fatores que não o tamanho do corpo, como, por exemplo, a nutrição.
O resultado foi de que o sinal visual não é suficiente nem necessário para induzir uma resposta dos machos, mas o sinal acústico sozinho já é capaz de desencadear uma resposta. Apesar dessa aparente predominância acústica, o estímulo visual em associação com o canto (sinal multimodal) gera uma resposta agressiva mais frequente e mais longa do que os sinais acústicos emitidos isoladamente.
Uma das explicações propostas é de que as duas modalidades de sinal funcionam como um reforço de eficácia uma para a outra. Ou seja, a variação no ambiente faz com que os sinais emitidos em conjunto tenham um efeito mais significativo sobre o receptor. Em ambientes com muito barulho, por exemplo, o sinal visual poderia aumentar a eficácia da mensagem transmitida pelo sinal acústico, do mesmo modo que o sinal acústico aumentaria a eficácia do sinal visual em ambientes escuros.
Outra evidência da integração entre os sinais visual e acústico em um sinal multimodal é que a quantidade de movimentos de toe flags aumenta à medida que mais cantos agressivos são emitidos. "Se os toe flags raramente são utilizados como um sinal sozinho, é de se esperar que o sinal visual sem canto não vai gerar uma resposta de outros machos", conta Vinícius.
Macho de Crossodactylus schmidti em atividade de canto. Imagem: Vinícius M. Caldart.
Vinícius e equipe também encontraram que, independentemente do tipo de estímulo, a resposta dos machos não se relaciona com sua condição corporal ou tamanho do corpo, indicando que os sinais não refletem a qualidade do emissor. "É possível que a sinalização agressiva indique outra variável de qualidade não medida no estudo, como disposição para combate ou uma característica comportamental ou fisiológica mais imediata", explica ele. Por outro lado, a ausência de relação entre resposta dos machos e qualidade do emissor dá ainda mais suporte para a hipótese de reforço de eficácia, que prevê que os sinais emitidos não refletem a qualidade do indivíduo. Neste contexto, a evolução do sinal multimodal seria dirigida por pressões que atuam sobre sua eficácia no ambiente, e não sobre o conteúdo do sinal em si.
Atraindo as fêmeas
Mas nem só de agressividade vivem os machos de Crossodactylus schmidti. A busca por fêmeas para reprodução também é uma tarefa crucial que envolve a comunicação com diferentes modalidades de estímulos. Tanto a vocalização quanto sinais visuais podem dar dicas sobre a condição física do macho, indicando se ele é um bom pai em potencial, capaz de gerar filhotes saudáveis e fortes, ou se é dono de territórios adequados para a postura dos ovos e desenvolvimento dos girinos. Além disso, o sinal multimodal pode ser mais eficaz do que os sinais unimodais e, portanto, mais fácil de ser detectado pelas fêmeas.
Partindo do princípio de que diferentes sinais variam em atratividade, Vinicius e equipe decidiram testar se o sinal multimodal levaria a uma resposta maior também nas fêmeas, em comparação aos sinais acústico e visual isolados. Para isso, eles utilizaram o macho robô em um desenho experimental semelhante ao feito para medir a resposta de outros machos e mediram a probabilidade de as fêmeas emitirem uma resposta acústica e uma resposta visual a três tipos de estímulos: somente visual, somente acústico e multimodal (visual e acústico).
Nesse caso, tanto o som quanto a imagem do movimento com os dedos dos pés do macho foram suficientes para despertar uma resposta das fêmeas na forma de sinais visuais. Mas as fêmeas só respondem com um canto quando o macho robô também emite som, seja ele isolado ou acompanhado do toe flag. Apesar de as fêmeas reagirem de alguma forma a todos os tipos de estímulo, a probabilidade de resposta das fêmeas era sempre maior para o estímulo multimodal, intermediária para o estímulo acústico e menor para o estímulo visual.
Fêmea de Crossodactylus schmidti com marcação de identificação temporária no estudo. Imagem: Vinicius Caldart.
Para Vinícius, a maior resposta ao estímulo acústico pode ser associada à maior especificidade de sua função. "A vocalização utilizada no estudo é amplamente reconhecida como sendo de agressividade e advertência, enquanto que a função dos toe flags ainda não é bem estabelecida. Por exemplo, sabe-se que o canto de advertência tem a função de atrair fêmeas e manter espaço entre machos, com um claro impacto na reprodução. É possível que os toe flags isolados estejam associados a características que não são tão relevantes para a reprodução e, por isso, seu efeito nas fêmeas seja menor", sugere ele.
Outra pergunta que o estudo buscou responder foi se o barulho no ambiente afeta a probabilidade de resposta das fêmeas. O que eles esperavam era que a resposta aos sinais acústico e multimodal aumentasse à medida que o ambiente fosse menos barulhento, o que facilitaria a percepção do estímulo acústico, e que o ruído não afetasse a resposta ao sinal visual. Mas, surpreendentemente, o barulho do ambiente não afeta a resposta acústica das fêmeas a nenhum dos sinais, enquanto que sua resposta visual aumenta para sinais visuais e multimodais à medida em que o barulho do ambiente diminui.
Para explicar esse resultado inusitado, os pesquisadores recorreram à biologia sensorial. Quando se considera sinais de um único tipo, como o acústico, a percepção de um estímulo pode ser suprimida quando outro estímulo é oferecido. Isso ocorre devido a interações nas respostas neurais a esses estímulos e explica por que a percepção da voz de um amigo é prejudicada pelo barulho de fogos de artifícios, por exemplo.
Essa supressão também ocorre entre sinais de modalidades diferentes, como demonstrado em artigo publicado em 2015 na revista científica Scientific Reports. É o que acontece quando automaticamente alguém diminui o volume do rádio do carro para prestar mais atenção às placas de trânsito ou quando o passageiro do metrô retira os fones de ouvido para se atentar às placas que indicam por onde seguir nas estações. No caso da pesquisa com as rãs, o barulho do ambiente nos riachos poderia suprimir a percepção das fêmeas ao sinal visual. Em ambientes mais calmos, onde o barulho é menor, estímulos dos machos que tivessem um componente visual poderiam despertar uma resposta visual maior.
Os pesquisadores também encontraram que fêmeas de melhor condição corporal têm menos chances de responderem aos sinais dos machos. Mas isso só ocorre em resposta ao estímulo multimodal. "Fêmeas de maior qualidade podem ser mais seletivas em relação à escolha do macho, mas ainda estamos investigando por que isso só ocorre em resposta ao sinal multimodal", afirma Vinicius. A conclusão do estudo é que estímulos multimodais, como é o caso da combinação de sinais acústicos e visuais, são mais eficientes em desencadear respostas das fêmeas, embora tanto a condição corpórea das fêmeas quanto o ruído do ambiente afetem a probabilidade de resposta delas.
Luanne Caires é bióloga e mestre em ecologia pela Universidade de São Paulo (USP). Tem especialização em Jornalismo Científico pela Universidade Estadual de Campinas (Labjor – Unicamp) e integra o programa Mídia Ciência (Fapesp).