Cristina Banks-Leite é professora no departamento de Ciências da Vida no Imperial College London, na Inglaterra. A pesquisa da brasileira propõe um limiar de 30% de cobertura florestal para que haja uma restauração efetiva da Mata Atlântica. Em 2017, essa proposta foi adotada como uma meta oficial pelo governo brasileiro.
Em reconhecimento por seu trabalho, Banks-Leite foi recentemente nomeada vice-campeã na categoria de início de carreira do prêmio Impacto 2018, financiado pelo Conselho de Pesquisa em Ambientes Naturais (Natural Environmental Research Council).
Confira abaixo a entrevista que ela concedeu ao Times Higher Education, publicação inglesa voltada para educação em nível superior.
Onde e quando você nasceu?
São Paulo, Brasil, em 1978.
Como passar muitos finais de semana na fazenda da sua família na Mata Atlântica te influenciou?
Ter acesso à natureza me fez ser menos aflita em relação a insetos, serpentes e outros animais "menos agradáveis". Em geral, me fez apreciar a vida silvestre e os processos ecológicos. Também me permitiu aplicar parte do conhecimento que adquiri na escola para entender melhor a polinização, a dispersão de sementes, os processos no solo e outros aspectos. Então certamente isso me direcionou a me tornar uma ecóloga.
Que tipo de aluna de graduação você era?
Receio que o tipo que se divertia muito e dormia em muitas aulas. Mas também era estudiosa e tinha boas notas, mas só nas disciplinas das quais gostava.
Qual foi seu momento mais memorável na universidade?
Eu estava fazendo um estágio em um parque estadual, no primeiro ano da graduação. Meus colegas e eu estávamos fazendo um levantamento de mamíferos. De repente fomos rodeados por um grupo de porcos selvagens e eles estavam prontos para atacar. Nós corremos mais rápido do que eu achava possível. Nunca me senti tão assustada - nem tão viva. Naquele mesmo dia, dirigindo de volta do campo, vimos um puma atravessando a estrada.
Por que você se mudou para o Reino Unido para continuar seu trabalho com florestas tropicais?
A primeira vez que eu vim para o Reino Unido foi durante meu doutorado. O governo brasileiro concede bolsas de estudo a estudantes que querem desenvolver parte de suas teses em colaboração com pesquisadores estrangeiros. Tive colaboradores de Cambridge e do Imperial College London. Também conheci a pessoa que hoje é meu esposo. Foi a combinação de estar em um ambiente acadêmico estimulante e razões pessoais que me levaram a mudar permanentemente para o Reino Unido.
Você conseguiu estabelecer pontes entre a universidade britânica e a universidade brasileira?
Sim, consegui. Posso orientar pós-graduandos na Universidade de São Paulo (USP) e também ofereço disciplinas lá ocasionalmente. Muitos dos meus colaboradores estão no Brasil, mas confesso que a colaboração tem se tornado mais difícil. Mudanças aparentemente inofensivas que foram impostas aos vistos para estudantes (no Reino Unido) significam que não posso mais receber alunos que querem desenvolver parte de seus doutorados comigo. Financiamento também é outro desafio.
O que levou você a propor um limiar de 30 por cento para cobertura florestal na Mata Atlântica?
Isso começou com meu doutorado. Eu fazia parte de um grande grupo de pesquisadores e nosso principal objetivo era entender como a perda de habitat e a fragmentação afetam as espécies - e identificar um limiar sempre foi nossa meta principal. O grupo contava com a participação dos professores Jean Paul Metzger, Leandro Tambosi, Renata Pardini e outros colegas do Instituto de Biociências da USP.
Como você convenceu o governo brasileiro a adotar esse limiar?
O Ministério do Meio Ambiente por volta da última década estabeleceu conexões mais próximas com cientistas, em parte porque muitos dos meus colegas durante meus anos de pós-graduação foram trabalhar para o ministério. Eles também definiram uma meta muito ambiciosa de o Brasil restaurar 15 milhões de hectares de floresta e parar o desmatamento até a metade do século 21. Eles precisavam encontrar uma forma de fazer isso e meu artigo veio em boa hora, mostrando que a restauração em algumas localidades levaria a resultados ecológicos melhores (como biodiversidade e segurança hídrica) do que em outros lugares. Neste processo de aplicação dos meus resultados em uma politica pública foi essencial a atuação dos demais colaboradores do trabalho, especialmente do Jean Paul e do Leandro.
O que você sentiu quando eles decidiram fazer isso?
Me senti lisongeada e um pouco assustada. Eu sabia que os resultados eram muito robustos, mas ainda assim tive pesadelos sobre estar errada e destruir a Mata Atlântica!
Quais outras iniciativas você está propondo que o governo adote?
O passo mais importante agora seria continuar a fazer o que o último governo estava fazendo. Esse é o maior risco com a nova presidência. Além disso, seria ótimo ampliar o sistema de pagamento por serviços ecossistêmicos, de forma a dar mais estabilidade financeira aos fazendeiros e encorajá-los a aumentar a área [de terra que eles preservam].
Quais são seus temas centrais de pesquisa atualmente?
Entender por que a biodiversidade é afetada por mudanças ambientais e as consequências para o meio ambiente quando as espécies são extintas.
Quais são os principais conceitos equivocados que as pessoas têm sobre as florestas tropicais?
As florestas não são o jardim do Éden. Você precisa estar constantemente atento a serpentes, mosquitos transmissores de doenças, caçadores... As pessoas geralmente pensam que pássaros podem simplesmente voar entre partes da floresta, mas eles não podem. A maioria dos pássaros que eu estudo não conseguem voar mais do que poucos metros sem precisar de um poleiro. Se você coloca uma grande área de pasto entre dois fragmentos de floresta, eles não atravessarão a área aberta.
O que mais nós deveríamos fazer para preservar as florestas tropicais?
Muitos governos ao redor do mundo desconfiam dos cientistas. Eu acredito que esse é o maior perigo que enfrentamos e, até que a gente consiga superar isso, enfrentaremos sérias ameaças às florestas tropicais.
Conte um pouco sobre alguém que você sempre admirou.
Meu avô. Ele era um típico explorador das antigas que passou boa parte de sua vida no Pantanal e na Amazônia.
O que você faz para se divertir?
Atualmente? Brinco de Lego com minha criança de três anos.
Se você fosse ministra responsável pelas universidades por um dia, qual política você implantaria imediatamente?
Um curso compulsório para todos os adultos no qual as pessoas (re)aprendam sobre por que o processo científico é menos falho do que procurar coisas no Google. Também aumentaria a quantidade de ciência e particularmente de ecologia ao longo do período escolar. As pessoas estão saindo da escola ignorantes sobre a crise ecológica que a humanidade está enfrentando.
Reprodução de: Times Higher Education
Tradução: Luanne Caires